terça-feira, 23 de abril de 2013

Dia Mundial do Livro

STOP - Vamos LER!


Sábio, o Califa e o saber

Um califa de uma das mais importantes dinastias árabes chamou, certo dia, à sua presença o homem mais sábio da corte, aquele a quem toda a gente recorria quando tinha dúvidas, problemas para resolver ou doenças para curar, e ordenou-lhe:
- Quero que organizes e resumas todas as formas de saber que, durante séculos, foram armazenadas pelos sábios, pelos cientistas e pelos poetas deste reino. Tivemos e continuamos a ter grandes poetas, grandes astrónomos, grandes médicos e grandes matemáticos, mas muito do que eles descobriram anda só de boca em boca, o que quer dizer que poderá perder-se quando as pessoas morrerem. Portanto, a partir de hoje, terás apenas esta tarefa.
- Tentarei estar à altura dela, senhor, mas desde já vos aviso que será coisa para durar alguns anos.
- Leva o tempo que for preciso, mas apresenta-me um trabalho satisfatório - respondeu o califa. - A única coisa que quero é estar ao corrente de tudo o que se sabe no meu tempo.
Ao fim de treze a nos, o sábio da corte apresentou-se nos aposentos reais com uma pilha de vinte volumes transportados por vários criados. O califa olhou, estupefacto, para aqueles livros e disse:
- Mas não é possível que se tenha acumulado tanto saber! Bem, mas como eu tenho uma vida muito ocupada e me falta tempo
para ler todos estes livros, peço-te que voltes aos teus aposentos e me resumas tudo isto em menos volumes.
Um pouco contrariado, o sábio cumpriu as ordens do califa e conseguiu, em apenas sete anos, resumir todo o saber até então acumulado em oito volumes.
Voltou à presença do califa, que lhe disse:
- Ainda são demasiadas páginas, e tu sabes que o meu tempo é escasso. Por outro lado, estou a envelhecer e não terei tempo para ler tudo o que aí escreveste. Como és um homem sábio, certamente poderás resumir tudo isso num só livro.
- Não sei se serei ca paz - respondeu o sábio, desanimado -, mas vou tentar, senhor.
Ao fim de quatro anos, já muito envelhecido, voltou a comparecer nos aposentos reais, com os olhos míopes e as costas arqueadas de tanto ler e escrever, e entregou ao califa um, grosso volume, obtendo a seguinte resposta:
- Aprecio o teu esforço, que deve ter sido imenso, mas, como vês, estou já muito velho e não terei tempo, nem paciência, nem saúde, para ler esse livro todo, até porque estamos em guerra e tenho tarefas mais urgentes. Portanto, ordeno-te que resumas tudo aquilo que escreveste numa só página.
Quase tão velho e doente como o califa, o sábio voltou à sua presença um ano e meio mais tarde e entregou-lhe, com o
maior dos cuidados, dentro de uma capa de cabedal artisticamente trabalhado, uma página com o resumo possível de todo o saber até aí acumulado.
O califa, muito enfraquecido pela doença e pela idade e rodeado por secretários e conselheiros que não paravam de lhe dar decretos e ordens para assinar, olhou para ele e disse:
- Como vês, o meu tempo e a minha vida são isto. Ou seja: nem tempo tenho para ler uma página inteira em paz do princípio ao fim. Ordeno-te, pois, que resumas tudo isso numa só palavra, e vê se a encontras depressa, pois não sei quanto tempo tenho ainda de vida.
Seis meses levou o pobre sábio a procurar a palavra mágica que fosse capaz de sintetizar tudo aquilo que os sábios da corte tinham descoberto, inventado e escrito ao longo dos séculos. Quando, por fim, a descobriu, dirigiu-se apressadamente aos aposentos reais, encontrando o califa reclinado sobre uma pilha de almofadas, muito pálido e com a respiração arquejante.
- Aproxima-te e diz-me qual é a palavra que resume todo o saber do meu tempo e dos tempos que estão para trás - ordenou o soberano.
O sábio, com muita dificuldade por causa da fraqueza dos ossos, debruçou-se sobre o califa e segredou-lhe a palavra-chave de todo o saber daquele reino. Ao ouvi-la, o califa endireitou-se ligeiramente e respondeu com espanto:
- Mas isso eu sei-o desde sempre!

José Jorge Letria
O livro que falava com o vento e outros contos


















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